O Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem a público manifestar
indignação mediante a aprovação na Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD) do Projeto de Decreto
Legislativo (PDC) nº 234/2011, do deputado João Campos (PSDB-GO), que
visa sustar trechos da Resolução do CFP nº 1/99, que estabelece normas
de atuação para as (os) psicólogas (os) em relação à questão da
orientação sexual. A votação ocorreu nesta terça-feira (18), na CDHM. O
debate foi marcado por uma discussão truculenta e arbitrária, que não
levou em conta os anseios da população dentro da “Casa do Povo”.
O voto foi realizado de maneira simbólica, onde o presidente da
comissão, o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), disse “os
favoráveis permaneçam como estão”. Também não foi observado o quórum
mínimo de parlamentares no momento da votação, que necessitaria de pelo
menos 10 deputados presentes. O pedido de contagem havia sido feito uma
hora antes, propiciando um cenário arbitrário de apreciação do PDC
234/2011.
Com a baixa representatividade de parlamentares durante a sessão, com
no máximo oito deputados presentes durante a votação, foi possível
observar que não havia quantidade suficiente de parlamentares que
legitimassem as decisões da CDHM. O que aconteceu na tarde desta
terça-feira configura um episódio triste para a história brasileira, que
enfraquece a luta pelos Direitos Humanos no Brasil e, consequentemente,
a Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Vale lembrar que em nenhum momento, durante sua tramitação na CDHM,
foram levados em consideração argumentos contrários à aprovação da
proposta provenientes de diversos parlamentares, a exemplo do deputado
Simplício Araújo (PPS-MA), que por diversas vezes pediu a retirada do
assunto de pauta por considerar a proposta inconstitucional, e optou por
fazer seu voto em separado dos demais. A aprovação do PDC também foi
questionada pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), ao considerar que a
Comissão extrapolou as competências ao legislar e revogar o “poder de
órgãos de classe”.
Os debates dentro da CDHM também deixaram de observar as
manifestações públicas da sociedade civil e de entidades que atuam na
área, a exemplo do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho
Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional da Juventude (Conjuve),
Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos
Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(CNCD/LGBT), e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (CDH/PR).
As atuações controversas da Comissão que – ao invés de proteger as
minorias, as perseguem – levaram o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos
e Política Externa (CBDHPE) a optar, em 22 de abril de 2013, pela
suspensão da CDHM do seu quadro de entidades integrantes. A decisão
também levou em conta o fato da CDHM ter se fechado à participação da
sociedade. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias tornou-se um espaço
de acirramento de disputas, suscetível ao retrocesso de direitos
conquistados pela sociedade junto a deputados verdadeiramente
comprometidos com os direitos humanos.
Parecer elaborado pelo CFP, na defesa de suas atribuições enquanto
autarquia, demonstrou a falta de embasamento dos os argumentos jurídicos
levantados pelo deputado João Campos, ao propor que os dispositivos da
Resolução do CFP se tornem sem efeito, “por não ter caráter
regulamentar, e por isso não podem constar de uma Resolução e sim de uma
Lei”. O documento do Conselho destaca “que a escolha por argumentos
jurídicos, pretensamente em defesa de prerrogativas do Legislativo,
assinalam, tão somente, o meio menos oneroso para evitar o debate de
mérito sobre práticas obscuras e violadoras dos Direitos Humanos que a
Resolução nº 1/99 do CFP, em muito boa hora, tratou de coibir”.
A Resolução do CFP foi elaborada em 22 de março de 1999, após exame
de denúncias sobre a ocorrência de práticas de “tratamento da
homossexualidade” por parte de profissionais da Psicologia e tendo em
conta o consenso vigente na comunidade científica internacional, os
princípios básicos da Constituição Federal e os compromissos mais
elementares em favor dos direitos humanos.
A norma estabelece que psicólogos e psicólogas tenham total liberdade
para o exercício profissional, o que é garantido pelos Conselhos
Regionais e Federal. Isso diz respeito à área que escolhem para
trabalhar, ao suporte teórico que selecionam e a muitas outras dimensões
profissionais, mas ela deve ser regrada pelos princípios éticos da
profissão. A Resolução CFP nº 1/1999 não cerceia o profissional. Sua
função precípua é acolher o sofrimento. Não há dispositivo editado pelo
CFP que impeça o atendimento, tampouco que proíba o profissional de
acolher o sujeito que chega ao consultório, ao hospital, ou a qualquer
outro espaço que se encontre o trabalho da Psicologia. Faz-se ainda
necessário repetir: não se trata de negar a escuta psicológica a alguém
que queira mudar a sua orientação sexual, mas sim, de não admitir ações
de caráter coercitivo e dirigidas pelo preconceito, como quando alguns
psicólogos afirmam que a homossexualidade pode e deve ser “invertida”.
A homossexualidade não constitui doença para carecer de tratamento,
nem distúrbio, tampouco perversão. Nesse sentido, a Psicologia pode e
deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as
questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e
discriminações.
Após aprovação na Comissão de Direitos Humanos, o PDC 234/2011 ainda
passará pela apreciação das comissões de Seguridade Social e Família
(CSSF) e Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), antes de ir ao
Plenário da Câmara dos Deputados. O CFP vai continuar o movimento
contrário à aprovação da proposta em todas as instâncias onde a proposta
ainda vai passar na Câmara dos Deputados, mobilizando cada vez mais
atores envolvidos com o tema.
A autarquia tem a convicção de que ao final do processo prevalecerá o
respeito à Psicologia enquanto ciência e a profissão, e à decisão da
Organização Mundial de Saúde (OMS), que retirou a homossexualidade do
rol de doenças desde o dia 17 de maio de 1990. Acreditamos no respeito
aos Direitos Humanos e conclamamos os legisladores a participarem deste
amplo esforço na direção da garantia e promoção de direitos, para que a
“Casa do Povo” não seja cenário e palco da violação e do retrocesso.
Assista ao vídeo da audiência: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/videoArquivo?codSessao=44668
(Fonte: http://site.cfp.org.br/nota-do-cfp-aprovacao-do-pdc-2342011-e-um-retrocesso-para-os-direitos-humanos/)